segunda-feira, março 19


Neto de Caçador

Não o conheci. O meu Pai é órfão, será que posso idealizar o meu avô, reinventa-lo seria perfeito. Assim sendo, serei neto de caçador.
Superar a duvida é do mais intrigante que a nossa mente tem preparado para nós. Tive em tempos um avô que era caçador, nunca foi um grande caçador, ele preferia ouvir os animais, não quer dizer que não se tenha alimentado deles, claro que sim, mas só comia os que lhe davam mais luta. O meu avô nunca usou uma arma, era tudo caçado através do ataque surpresa. Esperava-os, dominava-os e exprimia-lhe a condição de vida. Havia uns que lhe davam mais luta, como é o caso do javali e de algumas lebres que teimavam sempre em esconder-se nos mais recônditos espaços do seu habitat. Quando chegava a casa com o troféu de um dia vingativo, desejava sempre poder ignorar que ele mesmo estaria muitas das vezes do lado desses animaizinhos intrigantes que são caçados. É tudo uma questão de oportunidade. o que mais o intrigava é que o homem é negativo porque desde sempre foi educado para caçar, para lutar, mas é nesta actualidade que quando, e cada vez mais, os animais começam a ser uma espécie em protecção, então o homem tem que se virar para o próprio homem. O homem não foi criado para caçar, - dizia ele sempre com um ar aborrecido e melancólico -, é verdade amigo avô, o homem no sentido mais profundo da experiência não está propriamente a caçar, mas sim a proteger-se.
Enfrentar os problemas sempre foi uma arte, existem pessoas que nem sequer os enfrentam, abordam-nos, e isso é a eterna questão da problemática. O fatalismo da contradição que opõe o –enfrentar e o –abordar atinge de certa forma o nosso estado de lucidez que pode mesmo levar à loucura.
Quem caça não é propriamente louco, mas quem é caçado é louco. Os loucos são as presas do anti – cinismo.
Se vivemos, se já cá estamos, então, que seja para caçar. Em tempos fui neto de caçador, e o meu avô nunca precisou de usar uma arma, porque as suas presas sempre -O enfrentaram.