domingo, fevereiro 22

Darwin na Terceira

No regresso das Galápagos a Londres, Charles Darwin visitou a Terceira, onde nada de cientificamente interessante encontrou. Dois séculos e meio depois, cientistas açorianos querem corrigir o “erro” do pai da Teoria da Evolução das Espécies.
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Na tarde de 20 de Setembro de 1836, o “Beagle” fundeava ao largo da baía de Angra (capital do império, uma vez que Portugal estava em plena guerra civil e D. Pedro, refugiado na Terceira, proclamara a ilha capital).A bordo, vindo de Santiago, em Cabo Verde, o cansado Charles Darwin aproveitaria a estadia de três dias para repousar o corpo, depois de vários dias no mar e do êxtase pelas observações conseguidas, entre Setembro e Outubro de 1835, nas Galápagos, ponto central da sua Teoria da Evolução das Espécies, que viria a ser publicada 20 anos depois.No seu diário, Darwin regista o acolhimento das gentes terceirenses, a sua aparência e simpatia, assim como a “limpeza” da cidade, das povoações locais, além do aspecto de tudo o que via. O que contrastava com os “portugueses do Brasil”, que em nada lhe granjearam empatia.Mas, apesar de ter viajado pela ilha em busca de mais dados para os seus estudos, o pai da evolução das espécies, do ponto de vista de um naturalista, nada registou de interesse.“Gostei imenso da visita, mas não encontrei nada digno de registo", escreve Darwin no seu diário, a bordo do “Beagle”, capitaneado por Robert FitzRoy, que comandaria os destinos do navio hidrográfico em duas das suas três missões de levantamento topográfico.Quase 173 anos depois, cientistas açorianos procuram provar que Charles Darwin se enganou.
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Darwin na Terceira
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Escreve Charles Darwin no seu diário, no dia 20 de Setembro: «Encontramos uma cidade muito limpa (…) contendo cerca de dez mil habitantes, ou seja, cerca de um quarto da população da ilha. Não existem lojas de víveres, assim como há poucos sinais de actividade, exceptuando o intolerável chiar de um ocasional carro de bois. As igrejas são muito respeitáveis, e, anteriormente, existiam muitos conventos. Mas, Dom Pedro destruiu vários (…) ele arrasou três conventos de freiras, dando-lhes permissão para casar, que, exceptuando algumas das mais velhas, foi muito bem recebida (…)».«No dia seguinte, o Cônsul [inglês], amavelmente, emprestou-se o seu cavalo e forneceu-me indicações para encontrar um local, no centro da ilha, que me foi descrito como uma cratera vulcânica activa (…). Quando chegamos à denominada cratera [pela descrição, assume-se que a visita tenha tido por destino as furnas do enxofre, nas imediações do Algar do Carvão] encontrei uma suave depressão, ou melhor um pequeno vale (…) sem saída. O chão era atravessado por largas fissuras, das quais, em aproximadamente doze locais, pequenos jactos de vapor surgiam (…). O vapor junto aos orifícios irregulares, é quente demais para uma mão se aguentar perto dele (…)».«Gostei da visita, mas não vi nada digno de se ver: foi agradável conhecer um tão vasto número de populares (…)», escreve, usando o seu registo diário para anotar alguns considerandos sobre a história da ilha e das suas gentes, assim como as suas qualidades e a emigração de muitos locais rumo ao Brasil, além de algumas considerações sobre a vila da Praia, que visitou no dia 23 de Setembro.No final do dia 23 de Setembro, o Beagle zarpou da Terceira, tendo por rumo São Miguel, onde a tripulação buscava correio e alguns bens de consumo.Na manhã do dia 25, o navio inglês fundeou ao largo de São Miguel, mas Charles Darwin permaneceu a bordo.Anos mais tarde, o naturalista, embora sem recordar o seu desinteresse pelos Açores em termos científicos, acabou por solicitar a vários cientistas a vontade de receber amostras geológicas do arquipélago, assim como espécies animais e vegetais ali existentes.Em correspondência com Hooker, Watson e outros tenta obter sementes, plantas ou apenas impressões sobe as espécies das ilhas. Pede inclusive a Hunt que lhe envie um morcego. O que mais inquieta Darwin nos Açores é precisamente não haver nada de especial, parece-lhe estranha a falta de espécies endémicas que se tivessem alterado com o isolamento.Meio século depois, em correspondência trocada com Francisco Arruda Furtado, o primeiro malacólogo dos Açores, Darwin viria a reconhecer que as ilhas eram laboratórios naturais. Sublinhou inclusivamente que o trabalho de Arruda Furtado daria frutos à Ciência.
O erro de Darwin
Mais de um século e meio depois da passagem do Beagle e de Charles Darwin pelos Açores, vários cientistas açorianos querem demonstrar que o pai da evolução das espécies se enganou."Queremos associar-nos às celebrações dos 200 anos do nascimento de Charles Darwin e dos 150 anos da publicação da Origem das Espécies, envolvendo não só os cientistas, mas toda a população", disse o professor António Frias Martins, do Departamento de Biologia da Universidade dos Açores, na apresentação do colóquio internacional "O erro de Darwin e o que estamos a fazer para o corrigir", agendado de 19 e 22 de Setembro deste ano.Entre os participantes estarão Lynn Margulis, conhecida pela sua história da origem da vida tal como hoje a conhecemos, Bruce Libermann, que foi aluno de Niles Eldrege e Stephen Jay Gould, pais da teoria do equilíbrio pontuado, e Peter e Rosemary Grant, especialistas na evolução dos "tentilhões de Darwin" nas Galápagos e que já nos anos 70 estudaram os tentilhões dos Açores.Além do simpósio, Frias Martins está a planear uma exposição chamada "O Trilho da Vida", prevendo-se que seja inaugurada a 19 de Setembro e se mantenha em actividade até 2010.O objectivo central da exposição será "transformar tempo em espaço" ao ilustrar os 4,6 mil milhões da idade da Terra num percurso de 46 quilómetros entre a Ponta da Madrugada, no extremo leste da ilha de São Miguel, e Ponta Delgada.

reportagem - Rui Messias para o Diário Insular

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