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quarta-feira, abril 6

”Regras para um Parque Humano” de Peter Sloterdijk (2/2)


Terceira Parte: O pequeno mundo dos grandes resignados.
Se em Thomas Hobbes, o “homem é o lobo do homem”i, segundo a visão de Nietzsche o homem é o animal doméstico do homemii, ora, isto levanta questões éticas actuais que põem em risco a própria natureza do homem. Todo o Humano confrontado entre a escolha de – Liberdade ou – Segurança, prefere e opta pela segurança, abdicando de toda a liberdade e de todo o pensamento dito humanista. Para uma grande maioria, nem se quer de um dilema se trata esta questão, e aqui Nietzsche profetiza uma sociedade nestas condições, onde o homem selvagem mas genuíno é substituído por um outro ser geneticamente domesticado. Como o humanismo clássico falhou, onde “a relação necessária entre o ler, o estar sentado, e o amansamento” faziam a educação / domesticação do homem selvagem, em Nietzsche o homem caminha para o tempo dos Espartanos, onde a selecção à nascença era uma condição para a prolongação da espécie / tribo. Contudo, o processo de domesticação antropotécnico que Nietzsche revela não é muito diferente do humanismo clássico que já referimos anteriormente, aqui a diferença continua a ser a mesma, visto que irá existir o seleccionado e o que selecciona. O homem, tal como Sartre afirmava na obra: O existencialismoiii é um Humanismo, estará condenado a ser sempre livre. Ora, o homem existe em si mesmo, é o um ser primordial, podemos dizer que é uma definição. O que acontece neste conceito de definição, é o da impossibilidade, visto que existe a tendência do – outro nos definir, de nos seleccionar.
A tese de Nietzsche, apresenta um homem indeterminado nele mesmo, isto porque, o homem é algo que nasce da antropotécnica, logo o que determina o homem enquanto ser - aí? Esta é a grande falha que Sloterdijk apresenta em Nietzsche.
Quarta Parte: Platão – O Mestre do inconformismo?
Sendo a Sociedade um aglomerado de pessoas com funções diferenciadas e estatutos organizacionais, é necessário manter uma ordem para que os homens consigam conduzir a sua sociedade ou comunidade ao melhor caminho, isto é, para melhorar a organização e criar ordem e equilíbrio, porque é de equilíbrio que se trata são necessárias regras.
Esta ideia de aglomerado faz com que uma organização desta natureza seja semelhante a um – Jardim Zoológico [Parque Humano]. “O que se apresenta como uma reflexão sobre política é na realidade uma reflexão fundamental sobre as regras de funcionamento de um Parque Humano.”
É o homem que cuida do próprio homem, é ele que ensina e que mantém viva a civilização, esta é a máxima condição de sobrevivência. Porém, esta ideia platónica não é muito diferente das que já mencionei anteriormente. Existe a direcção [pastor] e a população [ovelhas], resta saber que tipo de diferença existe, se um diferença de grau, ou uma diferença mais especifica.
Na diferença de grau, estaríamos unicamente sobre uma condição pragmática e casual, ao contrario da diferencia especifica onde a direcção tinha uma condição intelectual, sofista. Que erro é que este exercício filosófico possui? O mesmo de sempre. Só quem tiver educação – num sentido estritamente humanista -, é que consegue chegar aos lugares de direcção. Todavia, quem decide quais as crianças que devem ser educadas das que não devem ser educadas? Se tivermos em conta que este tipo de organização não irá permitir as mais pobres de um direito adquirido, que é a educação. Os métodos de selecção são suspeitos, mas é este tipo de sistema que faz o que história nos tem mostrado, - injustiças, guerras e uma verdadeira descrença pelo homem.
Conclusão:
No filme Inside Job de 2010 é lançada uma questão no final do filme: - Os Estados Unidos da América estão na vanguarda das evoluções tecnológicas, a tecnologia é a nova força impulsionadora do mercado mundial, no entanto, para estudar ou trabalhar nas grandes indústrias tecnológicas é preciso formação, e para ter formação é necessário dinheiro, e assim, num país desastrado economicamente, onde só alguns têm acesso ao conhecimento, faz com que voltemos ao mesmo problema. Existirá sempre um fosso entre os que têm conhecimento e capital económico e os que nada têm. Voltámos a ficar resignados. Vamos perder a esperança na nossa natureza e resignarmo-nos?
Se em Hegel, o homem procura o indeterminado – saindo do estado de natureza, em Kant, o homem é um produto (devir) que se inscreve no tempo. A Educação visa o futuro conservando as melhores coisas que vêm do passado, Kant pensa isto a nível supra – individual, isto é, o processo educativo é individual mas não se limita ao indivíduo isolado, não há uma educação isolada – “é um processo a assegurar por outros homens.”
Este processo de humanização é temporal a nível geracional, é o homem que faz o próprio homem. É na conservação desta linha temporal e supra – individual que o homem se conserva, aliás, depende sempre dos cânones humanos para que a humanidade se conserve, é por isso que esta inovação acompanhada de uma razão reguladora que o homem aumenta a sua representação numa natureza assente em três pontos que de certa forma mostram a natureza da nossa bestialidade: possuir, prazer e poder. A questão da educação é uma questão política, porque é esta que ordena o projecto. Esta última premissa ofusca a intenção do devir Kantiano, porque o Homem “é o seu próprio projecto”, e a educação potencializa a liberdade, a perversidade e depravação de existirem grupos que queiram conduzir este homem a um caminho diferente de uma liberdade, provocam um equívoco à existência e sentido da clarificação dos valores humanos.
Em suma: Se Heidegger pretende esquecer o humanismo e voltar toda a reflexão para o homem. Nietzsche perde a paciência no próprio homem e propõe a criação de um homem “emendado”, aliás, Nietzsche deixa as emendas e parte para um supra – humano, um homem limpo da sua natureza. Platão é-nos apresentado como um homem sem rodeios mas confiante num sistema (parque humano) onde uma cidade pode funcionar. Platão é funcional, mas tal como Nietzsche, falha na tentativa de uma criação de oportunidade e de reflexão honesta virada na satisfação de uma sustentabilidade amparada na história da intersubjectividade. Sloterdijk é um crente no humanismo. Regras para um parque humano é um contributo puro e honesto, é uma reflexão, é um exercício filosófico. Quem sabe, Sloterdijk confia no futuro e na inscrição do homem na história, e ele, tal como todos nós, queremos fazer parte dela.


i Leviatã ou Matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil, Thomas Hobbes, tradução - João Paulo Monteiro, Maria Beatriz Nizza da Silva, Lisboa, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1995.

ii Also sprach Zarathustra, Kritische Studienausgabe, vol. 4, 1983-1985, pp. 221-214; Assim Falava Zaratustra, Relógio d´Água, Lisboa, 1998, pp. 193-196

iii Doutrina que proclama que toda a verdade e acção, implica um meio e uma subjectividade humana

sexta-feira, janeiro 7

”Regras para um Parque Humano” de Peter Sloterdijk (1/2)

Depois de ler este livrinho (porque é pequeno) do senhor Peter Sloterdijk fiquei entusiasmado, e decido assim partilhar. Para quem me acompanha desde sempre no blog, irá entender certamente, o teor desta belíssima obra que serviu de mote a uma conferência que o próprio deu no Castelo de Elmau, na Baviera, a 17 de Julho de 1999 faço assim, uma síntese dividida em duas partes.


Primeira parte: A Educação, como princípio transformador de uma sociedade, o inicio do Humanismo. [e Porque falhou o Humanismo?]
Peter Sloterdijk inicia assim a obra: “Os livros, disse uma vez o poeta Jean Paul, são cartas volumosas dirigidas aos amigos.” O Homem é um ser naturalmente pulsante[i], age por pulsão do seu instinto selvagem. Segundo o Humanismo clássico - “a boa leitura amansa.” Inicia-se o período de alfabetização, isto é, de humanização. O homem sai da caverna, sai da menoridade e vai ao encontro da luz. Um defeito deste modelo humanizador é que separa socialmente os que sabem dos que não sabem. O conhecimento é transformado em poder.  No humanismo clássico, o homem virtuoso é aquele que é sábio. Surge aqui um humanismo burguês, porque seria uma elite a comandar o fenómeno chamado humanização.
Na Modernidade o humanismo torna-se ele partidário e faccioso. Destacam-se três correntes: Cristão, Marxista e Existencialista. Idealmente o humanismo, que parecia ser um acto de amor, livre e calmante para servir de antídoto à pulsão humana, tornar-se-ia a médio prazo um modelo escolar e educativo que foi ultrapassado porque se tornou insustentável a ilusão de que as estruturas políticas e económicas de massas possam ser organizadas segundo o modelo amigável das sociedades literárias. O grande drama que Sloterdijk insinua é a pretensão que existe em construir uma sociedade em que o Homem seja domesticado, o que parece mais grave são as formas e métodos que muitos teóricos afirmam como ideal nesta construção de um estado social, aliás, de um parque, como se de um zoológico se tratasse, o poder de queres domesticar as ovelhas de um rebanho onde só existirá um pastor.
Como terminaria o humanismo clássico? Ora, as sociedades litúrgicas, os eruditos e os fãs dos cânones perderam influência. Aquele que se tornara pastor, isto é, o politico, o que manda, deixara de ser o sábio intelectual e domesticado. Deixou de haver uma sociedade de sábios, passando a existir uma sociedade de políticos, de gestores do património do estado. O Humanismo passou a ser encarado como uma aculturação, devido é certo, a uma crise de saberes canónicos.
Segunda parte: A essência do Humano. Heidegger em modo existencial
Heidegger propõe que deixemos de lado o humanismo como forma de educar o homem. O ideal de uma sociedade alfabetizada e literária chegou ao fim. Segundo ele, o humanismo moderno desvirtuo o homem no seu sentido mais profundo. Depois da segunda grande guerra, seria necessário examinar de forma diferente o próprio ser (dasein), seria necessário dar um sentido aberto ao homem visto que se manifesta na realidade da existência. O problema do mundo estava no próprio homem era necessário olhar só para o homem. “O homem habita na verdade do ser.”[ii]
Para Peter Sloterdijk o ideal que Heidegger tenta construir para um melhor entendimento entre o homem e a sua existência é totalmente absurdo e inconsequente, na medida em que estaria perante um “inumanismo”, ou seja, deixamos de ter presente um campo pedagógico, para passarmos a estar num campo puramente onto – antropológico, isto quer dizer; o homem aprende por ele mesmo, através da “reflexão” do ser com o próprio ser. Se o Ser é o todo em si mesmo, e a linguagem a sua morada então estaríamos automaticamente domesticados, aliás, seriamos todos puros e bons, porque não haveria acção nem confronto, dado que seriamos “autistas” dentro de um mundo “autista”.


[i] Harder, Yves-Jean, La Pulsion à Philosopher, 2006
[ii] - AA. VV., Logos, Enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia, 2.º Vol., Lisboa/São Paulo, Editorial Verbo, Janeiro de 1990, p. 1059