quinta-feira, julho 31

Cerebrum, Emmanuel Swedenborg

De onde surge o acto de pensar? Quais as características do Ser pensante? Porque pensamos nós? Eis algumas das razões que fazem do Homem um Ser adaptado ao mundo em que vive. Desde sempre que reside no acto de pensar a construção e sobrevivência da espécie. Usamos esta ferramenta como forma de identidade e sentido hierarquizado de domínio sob outras espécies e não só. Descobrir a origem e precisão do mesmo, é dar razão à própria existência, isto porque tornamo-nos objecto reforçado dessa mesma vontade. Devassar uma verdade destas seria o mesmo da de um arqueólogo quando descobrisse o Santo Graal. Verdade total e compreensão total de uma matéria intimista, complexa mas tentadora. Quem sabe, ao descobrirmos as origens do onde e porquê do pensamento, possamos recriar uma réplica de nós mesmos, de um alter-ego. Desde muito cedo que o Ser pensante experimenta em forma de alquimia filosófica e científica tais respostas, mas a resposta mais obvia para iniciar a buscar deste Santo Graal reside no cérebro. Este pequeno órgão é o responsável por uma odisseia incrível que levou e ainda leva pensadores ao seu encontro.
Um dos encontros mais significativos teve lugar há muito tempo atrás. A vinte e nove de Março de 1688 nascia na Suécia o Homem que viria a subsidiar todo o pensamento científico, filosófico e teológico Europeu, Emmanuel Swedenborg. A sua audácia intelectual e experimental fez desenvolver áreas que até então duvidavam de saber. O seu contributo em áreas da anatomo-fisiologia, engenharias, mas principalmente nas físicas, fizeram com que ele seja considerado um herói sueco.
A sua elegância científica é comprovada em obras de grande mérito, como por exemplo Cerebrum (1738-40), que aborda as questões psicológicas e fisiológicas, vistas de um estado filosófico, são a prova da polivalência vanguardista de Swedenborg.
Por outro lado, nesta mesma época, nascia na Europa uma filosofia muito especial, ligada, por coincidência, à Razão e Consciência. Filósofos como René Descartes e Leibniz exploravam o dualismo entre a mente e o corpo. A metafísica e o empirismo renasciam de forma muito forte. Nunca se saberá se existiu algum intercâmbio intelectual entre estes senhores, mas é incrível as vontades emergentes de querer descortinar a mente.
Swedenborg era um homem muito especial que dedicava grande parte do seu tempo à investigação das ciências exactas. Nas suas investigações tinha sempre incutido uma noção muito ética, onde impunha que a Humanidade dependia de uma construção, um projecto que merecia o contributo de todos os indivíduos. Esse caminho era mais do que pura física. Existiam propriedades ou substâncias que transcendiam a física, porém é na contradição geral do mundo que a perspectiva individualista falhava. Swedenborg questionava-se sobre as desigualdades evidentes de cada pessoa. Aqui nasce uma curiosidade filosófica que vai levá-lo a um outro patamar.
O que faz pensar o Homem? Como se sente o habitante no seu habitat? Swedenborg encontrava aqui mais uma razão para continuar a fazer o que maior prazer lhe dava, investigar.
A Escola de Cirurgia e Dissecação de Paris acolheu-o durante dois anos, passava o ano do Senhor de 1736. Depois de muitos cérebros retalhados e anarquizados o contributo genial deste simpático cientista foi o seguinte: A interpretação fisiológica da glândula endócrina e o papel fundamental do córtice cerebral na função motora do nosso organismo veio revelar enumeras descrições para a diversidade e heterogenia do ser humano, como ser biológico num mundo biológico, em constante movimento, um planeta mecânico com funcionalidades “biomecânicas”. A descoberta de um cérebro como organismo vivo que expelia ou fornecia uma linfa muito especial e refinada para o corpo todo. “…a função da glândula é receber, fornecer e segregar simultaneamente os líquidos…” . O cérebro é comparado com os pulmões. Ele age como os pulmões.
[1]
O livro Cerebrum é um verdadeiro manual da medicina Moderna, onde é abordada a fisiologia da glândula pituitária e se defende que ela é responsável pela maioria das hormonas que criam o funcionamento do nosso organismo. [2] Pois bem, isto não seria novidade, porque Hipócrates (377 a.C. – 460 a.C.) já escrevera sobre o assunto. A Teoria dos Humores (bílis amarela, bílis negra, pituíta e o sangue) diz, precisamente, que estes eram originários de uma parte do cérebro que expelidos para o corpo iriam regular emocionalmente e fisicamente a própria pessoa.
Entramos numa questão muito delicada e perigosa. Poderá esta diversidade ontológica ser proveniente do próprio cérebro? E se for? Não parece que seja importante. A não ser, claro, que os actuais cientistas queiram usá-la como forma de manipulação generalizada. Swedenborg não pensava assim, aliás, também não dispunha da actual tecnologia para alcançar outros níveis de investigação. Porém, a ideia contemporânea passa por aí. Quem não ouviu falar das Neuro-éticas? Num caso destes, as neuro-ética são o emergentismo de uma ciência provavelmente perigosa. Serão as Neurociências arriscadas?
Só em 1986 é que o termo “NeuroFilosofia” foi sugerido por Patricia Smith Churchland, na simbólica obra NeuroPhilosophy.
[3]
O funcionamento humano é derivado de estímulos eléctricos e de um notável conjunto de probabilidades químicas e físicas. Esta é a realidade que Cerebrum desvela. Porém como reagirá a sociedade contemporânea a esta possibilidade?
Estas informações podem ter repercussões devastadoras, a começar pela tentação economicista que pode tornar valiosa as ciências farmacêuticas. Hoje em dia, um quilo de Viagra é mais valioso que um quilo de ouro.
[4] Já imaginaram se conseguirmos analisar todos os fenómenos biológicos e neuronais do homem e isolá-los ao ponto de criarmos um estimulante para superar a falta de… e um anabolizante para o excesso de…ficávamos definitivamente em frente à descoberta de um valente enigma Nietzchiano, o Super – Homem, isto de um ponte de vista antagónico.
A sociedade Contemporânea anda ansiosa por nichos de exploração científicos. No tempo de Swedenborg e de outros magníficos, as prioridades não seriam as que hoje procuramos, mas será que as obras posteriores a Cerebrum contêm alguma significação que possa transmitir uma visão futurista da humanidade?
Como é sabido, De ultimo judicio (1757 – 1759) aponta, tal como afirma o título, para um Juízo Final que tarda em chegar. Seria esta uma forma de visão que o próprio sabiamente ignorante não apreendeu?
[1] E. Swedendorg, Regnum Animale, 1744.
[2] Descartes, na tentativa de defesa do seu dualismo, afirma que é na glândula pituitária que reside o ponto de união entre as substâncias corporal e mental.
[3] Cfr. P. S. Churchland, Brain-Wise Studies in Neurophilosophy, MIT Press, 2002.
[4] Cfr. K. Nordström, J. Ridderstrale, Capitalismo Karaoke, Editor Público, 2006

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